Juiz bloqueia empréstimo de R$ 366 mi ao governo

O juiz Marco Antonio Castelo Branco, da 2ª. Vara da Fazenda da Capital, proferiu despacho em ação ajuizada pelo Município de Capanema contra o Governo do Estado, determinando bloqueio judicial dos valores recebidos através do empréstimo contratado  junto ao BNDES, no valor de R$ 366.720.000,00 )l.
O magistrado mandou oficiar ao Banco Central para efetivar o bloqueio da conta do Estado do Pará que vai receber os valores do BNDES, objeto deste processo, ou que se informe, inclusive via BNDES, qual a conta do depósito para o bloqueio judicial on-line.
Também foi mandado expedir notificação à  Governadora do Estado do Pará ou quem lhe substitua temporariamente ou efetivamente, bem como a qualquer Secretário de Estado, que está obstado de entregar as verbas relativas à lei Estadual nº 7.424/2010 até o julgamento deste processo, sob pena de multa única por qualquer liberação no valor de R$100.000,00.

Segue a íntegra do despacho do juiz. Trata-se de Ação Cautelar Inominada, com pedido de antecipação de tutela ajuizada pelo Município de Capanema em face do estado do Pará.
Alega o autor que o Estado do Pará, por meio da Lei Estadual nº 7.424/2010, autorizado pelo poder Legislativo do Estado a contrair empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES, no valor de R$ 366.720.000,00 (trezentos e sessenta e seis milhões e setecentos e vinte mil reais), cuja destinação seria a execução do Programa Emergencial de Financiamento aos Estados e Distrito Federal PEF/ BNDS. 
Alega o autor que nos termos do art. 6º da lei supracitada, caberia ao município o recebimento do valor de R$ 3.167.650,18 (três milhões, centa e sessenta e sete mil, seiscentos e cincoenta reais e dezoito centavos), que até o presente momento não foi repassado, mesmo já tendo apresentado planos de aplicação.
Alega o autor que há receio de que os valores estejam sendo utilizados para adimplemento de obrigações diversas das quais originariamente foram destinados. Alega existência de lesão que poderá ser agravada com o processo de transição administrativa e política prevista para 2011.
Havendo pedido de liminar, passo a apreciá-lo.
O art. 804 do CPC possibilita a concessão de liminar em sede de ação cautelar quando diante da aparência do bom direito e fundado receio de que uma das partes, antes do julgamento da lide, cause, ao direito da outra, lesão grave ou de difícil reparação.
Quanto à previsão legal da medida, ou a aparência do bom direito, esta avulta claramente a partir do art. 6º § 1º da Lei 7.424/2010, que regulamenta  a destinação e repasse de valores os quais devem ser depositados diretamente na conta  específica das Prefeituras Municipais, em prazo determinado de 72 horas, tendo como inicio de contagem a entrega do plano de aplicação, cuja dicção merece transcrição:
“1º Os valores destinados aos municípios, na forma do inciso I deste artigo deverão ser repassado em conta única, para conta específica das Prefeituras Municipais até 72horas contadas da entrega dos respectivos panos de aplicação, sob pena de responsabilidade”
O supracitado dispositivo deixa claro que há obrigação do Estado do Pará em depositar os valores respectivos, estando não só disposto o prazo como também o quanto será destinado a cada município. É o que se depreende do art. 6º I, II, III e IV, do mesmo diploma legal.
Ademais, o cabimento de liminar em casos como este já encontra abrigo na jurisprudência do STJ, que entende que devem estar presentes os requisitos para a concessão da medida sem vinculação direta com o mérito, gênese das cautelares, albergadas hoje inclusive, em alguns casos à condição de antecipação de tutela cautelar,

conforme preceitua o §7º do artigo 273 do CPC, sem perder o caráter de cautela , embora reconhecidamente imprescindível no exercício  da tutela de urgência :
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO "CONFISCO". AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA.  ART. 273 DO CPC. PREENCHIMENTO DOS SEUS REQUISITOS. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07 DO STJ. ANÁLISE DO MÉRITO DA DEMANDA.
IMPOSSIBILIDADE. CPC, ART .798.
1. O recurso especial interposto em face de decisão concessiva ou denegatória de medida cautelar ou antecipatória de tutela não pode fundar-se no próprio meritum causae, que em fase de cognição sumária interdita a jurisdição especial, porquanto o Tribunal a quo, nestas hipóteses, examina tão-somente o preenchimento dos requisitos autorizadores para a concessão da medida. Precedentes: REsp 830258/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 02/04/2007; REsp 904020/CE, Rel. Min. Denise Arruda, DJ. 13/08/2008.
2. É que resta cediço que: "(...) em razão da demonstrada peculiaridade da ação cautelar, para a concessão da medida requerida, é indispensável a observância de pressupostos e requisitos próprios que estão previstos no artigo 798 do CPC. Sendo assim, em recurso especial contra acórdão que julga procedente ou improcedente ação cautelar inominada por ausência de requisitos próprios à medida, o objeto da discussão não pode ser outro senão o da ofensa ou não, pelo acórdão recorrido, do dispositivo que estabelece os requisitos dessa medida, qual seja, o artigo 798 do CPC. Não é cabível pretender que, no recurso especial interposto na medida cautelar, se faça julgamento do próprio direito material objeto da demanda principal. A questão federal que nele pode ser deduzida é a da possível ofensa ao artigo 798 do CPC, e não a dos dispositivos que regulam o direito material."(REsp 830258/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 02/04/2007).
3. In casu, a recorrida ajuizou embargos de terceiro, com pedido de antecipação de tutela, pleiteando a suspensão de desapropriação "confisco" em sua propriedade.
4. O exame do preenchimento dos pressupostos para a concessão da tutela antecipada previstos no artigo 273, deve ser aferido pelo juiz natural, sendo defeso ao STJ o reexame desse pressuposto de admissibilidade, em face do óbice contido na súmula 07/STJ.
5. Precedentes jurisprudenciais: (REsp 505729/RS, Ministro Relator Felix Fischer, 5ª Turma, DJU 23/06/2003; REsp 190686/PR, Ministro Relator Franciulli Netto, 2ª turma, DJU 23/06/2003; MC 2615/PE, Ministro Relator Francisco Falcão, 1ª Turma, DJU 19/08/2002; AGA 396736/MG, Ministro Relator Felix Fischer, 5ª Turma, DJU 25/02/2002;
REsp 373775/RS, Ministro Relator Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJU 01/07/2002; REsp 165339/MS, Ministro Relator Jorge Scartezzini, 5ª Turma, DJU 05/03/2001; AGA 199217/SP, Ministro Relator Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, DJU 17/02/1999).
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 901.540/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 30/03/2009)
Vale a referência, tendo em vista a lição que encerra. 
Portanto, por expressa previsão legal, cabe ao réu depositar o valor a ele destinado, uma vez que tais verbas seriam destinadas a melhorias sociais, como reformas de Escolas, ampliação do sistema de  abastecimento de água et coetera. Aplicação esta que se destina, ao fim e ao cabo, a melhoria da vida da população, revestido em áreas da educação e saúde, direitos constitucionais do cidadão e obrigação do Estado.

Entretanto, por extrapolar a competência do Poder Judiciário intervir no ato administrativo, salvo quando diante de uma ilegalidade gritante, ou seja, quando a prórpia lei se impõe com simples declaração estatal,  não nos cumpre ordenar, ou negar a liberação das referidas verbas, por ser ato privativo do Poder Executivo.
Todavia, há de ser sanada a ilegalidade do ato da administração pública que se eximiu de cumprir a lei estadual, nos termos já tratados.
Diga-se em favor da concessão da liminar que os princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, entre eles o da legalidade, moralidade, impessoalidade não são apenas caminhos de regras morais a serem obedecidas pela adminsitração, mas, verdadeiros dispositivos com força normativa vinculante e que não se submetem a nenhuma outra para sua efetivação, inobstante, pelo contrário, toda norma deve conter tais dispositivos que foram incorporados ao sistema legal pelo processo histórico de efetivação de direitos. Ou seja, não são princípios facultativos, mas agem com força de lei e que na verdade transcendem a norma que os legitima.
Pelo que se expôs, está clara a presença dos requisitos para a concessão da medida antecipatória; a verossimilhança e receio de dano irreparável estão presentes, o que sustenta a decisão do juízo pela concessão da antecipação da tutela ou tutela cautelar.
Isto posto, com lastro no art. 804 c/c 273 do CPC, DEFIRO a antecipação da tutela ou tutela cautelar, determinado bloqueio judicial dos valores recebidos através do empréstimo contratado pelo réu, junto ao BNDES, no valor de R$ 366.720.000,00 (trezentos e sessenta e seis milhões e setecentos e vinte mil reais), sendo notificado o Banco Central.
Oficie-se ao Banco Central com urgência de que deve efetivar o bloqueio da conta do Estado do Pará que vai receber os valores do BNDES, objeto deste processo, ou que se informe, inclusive via BNDES qual a conta em que se efetivará o depósito a fim de que se proceda o bloqueio on line neste juízo.
Notifique-se  Governadora do Estado do Pará ou quem lhe substitua temporariamente ou efetivamente, bem como a qualquer Secretário de Estado, que está obstado de entregar as verbas relativas à lei Estadual nº 7.424/2010 até o julgamento deste processo, sob pena de multa única por qualquer liberação no valor de R$100.000,00. 
Cumpra-se.
Intime-se.
Cite-se o Estado do Pará, na pessoa de seu Procurador Geral do Estado, para apresentar Contestação no prazo legal de 20 (vinte) dias.
Servirá o presente despacho como mandado, nos termos do Provimento 03/2009 da CJRMB TJE/PA, com a redação que lhe deu o Prov. nº 11/2009 daquele órgão correcional, a ser cumprido pelo Oficial de Justiça no endereço da ré, constante da petição inicial.
Belém, 10 de dezembro de 2010
Marco Antonio Lobo Castelo Branco
Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda da Capital
Tribunal de Justiça do Pará

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