Nova lei de licitações: acordo de não persecução penal e sua inaplicabilidade como efeito do net widening



O acordo de não persecução penal (ANPP), instrumento a serviço da justiça negocial penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal (CPP)[1], inserido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), já começa a sentir os efeitos do fenômeno net widening, no âmbito da produção legislativa.

Tal expressão ficou mundialmente conhecida, para demonstrar o efeito paradoxal comumente observado quando da implantação de penas não privativas de liberdade e medidas processuais-penais: ao invés de diminuírem o ingresso ou a manutenção de pessoas no “sistema penal”, acabam tendo o efeito diametralmente oposto[2].

Na elaboração da nova Lei de licitações, projeto de Lei nº 4.253/2020[3], que aguarda sanção presidencial - no capítulo dedicado aos crimes em licitações e contratos administrativos. Diversos tipos penais, tiveram suas penas mínimas intencionalmente aumentadas pelo legislador. Assim sendo, para patamares que impossibilitem a aplicabilidade do ANPP, que possui como um dos seus requisitos legais, pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.

Vejamos:

Lei nº 8.666/93

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

 

Projeto de Lei nº 4.253/2020

Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

 

Lei nº 8.666/93

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

Projeto de Lei nº 4.253/2020

Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.

 

Desta feita, a tendência das novas produções legislativas, será atribuir a prática de crimes, penas mínimas não inferiores a 4 (quatros), anos, a fim de inviabilizar a celebração do acordo de não persecução penal.



[1] Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm > Acesso 23/03/2021.

[2] SILVA, Eliezer Gomes da; Sistema Penal, Controle Social, e Direitos Fundamentais. Reflexões sobre as Penas e Medidas Processual-Penais Alternativas. Revista Crítica Jurídica, nº 24, janeiro e dezembro 2005. Disponível em: < https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/critica-juridica/article/viewFile/3322/3116>. Acesso 23/03/2021.

[3] Projeto de Lei n° 4253, de 2020 (Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013). Senado Federal. 2021. Dispoível: < https://legis.senado.leg    .br/sdleg-getter/documento?dm=8939312&ts=1616435103697&disposition=inline >. Acesso 23/03/2021

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